Área Restrita

eSocial revoluciona o RH

A partir de 2014, escrituração digital provocará mudança nos processos internos de gestão de pessoas das empresas e aprimorará a qualidade das informações repassadas aos órgãos públicos

Não é preciso ir muito longe para perceber que o eSocial, mesmo antes de se tornar realidade nas empresas, tem gerado preocupações a todos os profissionais e setores que vão ter que se adequar a eles – e não são poucos. A regra, que entra em vigor em 2014, atinge desde pessoas físicas que empregam trabalhadores domésticos a empresas de todas as modalidades e enquadramentos, passando por consultores, auditores, contadores, advogados e analistas de sistemas, pode-se concluir que a abrangência das novas regras é irrestrita. Mais do que isso: esse alcance se estende a milhares de empregados e também a profissionais autônomos.
Diante desse cenário, a apreensão logo se justifica, embora o cumprimento das exigências trabalhistas e contábeis, de fato, não tenha mudado. Mas, se não mudou, qual é o foco das preocupações? Os empregadores serão responsáveis por gerar e entregar as mesmas informações com as quais já estão habituados, mas as rotinas que envolvem esses processos, inevitavelmente, sofrerão mudanças, que para muitas organizações podem ser drásticas.

A adesão ao novo sistema trará como consequência um departamento de Recursos Humanos mais dinâmico, graças à necessidade de repassar dados em tempo real, e integrado com outras áreas, diante da necessidade em obter informações que comumente estão relegadas aos setores financeiros e de serviços das empresas. São mudanças relevantes que exigirão mais do que conhecimento, obrigando as organizações a rever processos e, mais do que isso, implementar uma mudança significativa de comportamento.

Passando a fase da adequação, no entanto, a perspectiva é de que a medida facilite processos, eliminando o reenvio de uma mesma informação a mais de um órgão e fazendo com que os envios ocorram de forma automática, sem que seja necessário levantar e apurar documentos físicos mensal ou anualmente.

Obrigações acessórias substituídas pelo eSocial

  • Livro de registro de empregado
  • Folha de pagamento
  • Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT)
  • Perfil profissiográfico previdenciário
  • Arquivos eletrônicos entregues à fiscalização (Manad)
  • Termo de rescisão e formulários do seguro desemprego
  • Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (Gfip)
  • Relação Anual de Informações Sociais (Rais)
  • Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)
  • Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (Dirf)

Layouts engessam organizações

Trabalhar manualmente as informações, gerando arquivos de acordo com a disponibilidade da organização, garante a possibilidade de ajustar algumas exigências previstas na lei. Com o eSocial, cujos layouts são parametrizados de acordo com as disposições legais, muitas práticas, possíveis até agora, deixam de ser viáveis. As empresas perdem parte da flexibilidade que garante, entre outras coisas, a possibilidade de conceder férias fracionadas.

“Digamos que está se usando o conceito da lei, na íntegra da legislação. O que tem sido sinalizado é que não por isso não se possa flexibilizar alguma coisa, mas a grosso modo, não”, sacramenta a gerente de produtos da ADP, Angela Rachid.

No atual cenário, em relação às férias, as empresas só terão a possibilidade de conceder 20 dias de férias mais 10 dias ressarcidos em dinheiro ou 30 dias fechados. “Até antecipar as férias vai ser aceito, mas as fracionadas não estão sendo consideradas. O máximo que a empresa conseguiria, no contexto atual, é antecipar as férias, mas isso não quer dizer que não possam surgir novas flexibilizações”.

Angela sinaliza para a possibilidade de que surjam mudanças que assegurem autonomia da empresa diante de alguns procedimentos. “Há um contexto muito favorável a isso, o governo não está sendo rígido – algumas, sim, já foram fechadas as questões e posicionadas que não será possível. Mas as férias ainda estão sendo estudadas”, comenta.

Outro ponto que tem gerado polêmica ocorre com as chamadas “rescisões complementares”, que para o governo não existem. A lógica é de que a partir do momento em que o funcionário deixa de fazer parte do quadro da empresa, todos os seus direitos devem ser garantidos tão logo ele esteja dispensado. Para fazer acertos pendentes, que podem ser decorrentes de dissídios ou acordos coletivos, será necessário reabrir a rescisão para efetuar o ajuste.

Ainda em estruturação, os layouts ainda estão sendo estudados, e o governo deve apresentar um layouts definitivo até o fim deste mês. Angela lembra que nos dois últimos meses do ano, entre novembro e dezembro, empresas de desenvolvimento de softwares realizarão testes dos sistemas junto com os órgãos que estão definindo os parâmetros. Dos testes podem surgir novas alterações ou mesmo cronogramas. De qualquer forma, a mudança nos processos internos é certa e irrevogável. Revisá-los o quanto antes é o melhor caminho para adequação.

O primeiro passo

A adequação ao sistema do eSocial vai provocar mudanças não só nos sistemas de envio de documentação, mas na rotina das empresas, por isso consultores orientam para importância de encaminhar mudanças de processos nos setores responsáveis pela gestão de pessoas desde já. De acordo com o contador Joélcio Jacobsen, diretor da consultoria de RH do Grupo Villela, uma iniciativa que facilita o processo de mudança é a contratação de uma consultoria para apontar quais são as alterações que precisam ser promovidas.

A gerente de produtos da ADP, Ângela Rachid, ressalta alguns pontos que requerem atenção das empresas e que vão facilitar o processo de adesão à nova sistemática:

  • Revisar processos internos
  • Definir um cronograma
  • Adaptar seus processos aos SLAs definidos pela CLT e aos novos dados exigidos pelo eSocial
  • Revisar liminares
  • Revisar verbas e incidências

Sistema é considerado o braço trabalhista do Sped

Vinculado ao Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), o eSocial trará para o ambiente digital inúmeras informações que, até hoje, ficam dispersas entre documentos físicos e sistemas eletrônicos. “Ele vai ser um sistema global, com todas as informações de funcionários, o que permitirá enxergar tudo de forma mais abrangente”, ressalta a psicóloga e diretora da consultoria de RH do Grupo Villela, Janaína Perez. Dessa forma, haverá mais controle das obrigações a serem cumpridas.

Outro ganho com a mudança é o envio automático das informações, que serão transmitidas uma única vez para a Secretaria da Receita Federal, ministérios do Trabalho e Emprego e da Previdência, INSS e Caixa Econômica Federal. “O eSocial vai ser o maior projeto do Sped e afetará todas as empresas”, destaca o sócio-fundador e diretor de serviços da Decision IT, Mauro Negruni, lembrando que todas as etapas do Sped têm gerado aos contadores a possibilidade de checar o próprio trabalho. Os projetos do Sped pregam que a contabilidade mensal esteja conciliada com as demais informações, evitando que dados sejam apurados e trabalhados posteriormente. “Dá mais trabalho? Sem dúvida alguma, mas a qualidade diminui a ocorrência de retificações”, ressalta Negruni.

Para chegar a esse nível de sofisticação das informações, no entanto, o sistema exige um intercâmbio maior entre as áreas de recursos humanos e departamento pessoal com outros setores, especialmente vinculados a gestão financeira. Valores e aquisições de serviços prestados terão que ser informados ao RH. “É importante olhar o processo entre áreas, porque o departamento pessoal é muito fechado em si, se enclausura e só recebe material”, alerta Angela Rachid, gerente de produtos da ADP. Como exemplo, destaca que todas as notas fiscais de serviços deverão ser registradas no eSocial. Registros sobre profissionais autônomos também foram ampliados, exigindo o cadastro, inclusive, de informações sobre os dependentes.

É inevitável, portanto, concluir que haverá alguns ônus nesse processo de mudança, mas o controle que visa a atender às expectativas do governo federal também ampliará o controle interno das empresas em muitos processos. Os contadores, no entanto, podem ser impactados negativamente caso não estruturem um mecanismo eficiente de recebimento das informações que alimentarão o sistema, avalia.

Se o sistema estiver restrito à empresa, o contador que presta serviço externo terá o retrabalho de lançar os dados novamente pela internet. A solução para evitar a demanda excessiva de lançamentos, sugere a gerente, é usar sistemas integrados aos das empresas. Adaptando e alinhando as rotinas atuais com as novas exigências, o contador, assim como profissionais de RH, não terão que cumprir com uma série de obrigações acessórias, como, por exemplo, a Rais e o Caged, cujas informações são enviadas automaticamente a cada lançamento.

Maioria das empresas está despreparada, diz pesquisa

Enquanto desenvolvedores de softwares se debruçam sobre manuais técnicos, adaptando sistemas aos layouts definidos pelo governo federal, empresas e prestadores de serviço já têm que ter contato com as mudanças para adequá-las à rotina, sob o risco de, mesmo com sistemas atualizados, ter dificuldade em adequar processos do departamento pessoal ao controle digital promovido pelo eSocial.

Uma das mudanças mais impactantes é a agilidade com que as obrigações, já conhecidas, terão de ser cumpridas. O funcionamento será praticamente em tempo real, tanto para o envio de informações quanto para a apuração dos órgãos públicos, com consequente possibilidade de autuações – também mais céleres.

Nesse novo contexto, ocorrências como admissão, demissão ou acidente de trabalho devem ser comunicados em até 24 horas. O Caged, portanto, passa a ser enviado no mesmo momento em que a empresa emprega ou demite um funcionário, eliminando a exigência de emitir a informação consolidada uma vez por mês.

Outras obrigações, como as relativas à medicina do trabalho, deixarão de ser mantidas apenas nos arquivos das empresas, e também terão que ser informadas no sistema, dentro do prazo. A regra vale para exames admissionais, demissionais e periódicos.

Para a sócia da De Biasi Auditores Independentes Kelly Cristina Ricci Gomes, o eSocial tem como objetivos aumentar a arrecadação mediante a transparência do controle fiscal, facilitar a fiscalização, combater a sonegação e garantir direitos e acesso a informações aos trabalhadores  – que também tomarão contato com as informações retransmitidas. “Nesse primeiro momento, será um trabalho extra para as empresas, que terão expostas, com mais detalhes, suas ações em relação aos empregados, revelando possíveis falhas ou situações em que a legislação não é cumprida. Mas, no futuro, o eSocial deverá permitir a geração mais rápida de benefícios sociais ou substituir algumas obrigações”, explica.

O sistema vai eliminar algumas obrigações acessórias a partir de 2015, como Dirf, Rais, Caged e Manad. Em relação à Gfip, a expectativa é de que as empresas optantes pelo lucro real fiquem desobrigadas da entrega a partir de julho de 2014 e as do lucro presumido e Simples Nacional, a partir de novembro do mesmo ano, meses em que já deverão transmitir o eSocial com os eventos de folha de pagamento e apuração dos tributos. Os cadastros iniciais no sistema deverão ser realizados até 30 de abril para as empresas optantes pelo lucro real e 30 de setembro para as demais. “Milhões de papéis entregues durante o ano estarão intrínsecos às novas rotinas diárias. É uma forma muito inteligente, porém as empresas vão ter que mudar o comportamento”, incita a gerente de produtos da ADP Angela Rachid.

O problema é que mudanças de comportamento não são feitas de uma hora para outra. Faltando menos de cinco meses para a inserção dos primeiros dados no sistema, uma sondagem feita pela Thomson Reuters junto a 2 mil empresas mostrou que 70% delas ainda não possuem nenhum projeto interno para atender à nova obrigação do projeto eSocial.

A pesquisa mostra, ainda, que entre as empresas que afirmam ter projeto interno relativo ao eSocial (30%), apenas um quarto diz ter efetivamente alguma iniciativa em andamento. “A importância de fazer um planejamento não é só do prestador de serviço que tem que entregar essas informações, mas, sim, das empresas, já que vai promover uma mudança nos processos internos”, ressalta o contador Joélcio Jacobsen, diretor da consultoria de RH do Grupo Villela. Jacobsen lembra que, assim como as informações, as multas também serão geradas automaticamente.

Um caminho viável para empresários que ainda estão tentando compreender as novas exigências é buscar apoio de entidades de classe. A Fecomércio-RS, por exemplo, já elaborou um manual básico, que foi repassado para todos os conselhos da entidade. De acordo com a assessora tributária da Fecomércio-RS Tatiane Correa, uma das responsável por elaborar o material, o objetivo é antecipar ao máximo a preparação das organizações.

 

Fonte: Fenacon

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