O eSocial unifica o envio de informações fiscais, tributárias, previdenciárias e trabalhistas ao governo federal e facilita o cruzamento de dados e a fiscalização
A Receita Federal deve arrecadar R$ 20 bilhões a mais por ano com o início da folha de pagamento digital (ou eSocial). “É uma previsão conservadora”, afirma o coordenador de Sistemas da Atividade Fiscal da Receita, Daniel Belmiro. O sistema entrará em operação ao longo do ano que vem e deve estar em pleno funcionamento a partir de 2015. O eSocial altera o modo como todas as empresas do País fazem a prestação de contas das informações de seus funcionários.
Agora, todo o envio dos dados fiscais, tributários, previdenciários e trabalhistas será online, concentrado num único sistema. A ideia é evitar a repetição no repasse de informações ao substituir o cumprimento de nove obrigações mensais e anuais diferentes, como o Caged, a Rais, a Dirf e a Gfip, por uma única. Neste sistema, todos os órgãos poderão coletar as informações que lhe competem.
O incremento de R$ 20 bilhões na arrecadação compensaria grande parte da renúncia projetada de R$ 24,7 bilhões referente à desoneração da folha de pagamento esperada para 2014. A arrecadação deve aumentar, porque o sistema do eSocial vai facilitar cruzamento de dados sobre as empresas e, consequentemente, acirra a fiscalização.
Na avaliação do sócio da consultoria Deloitte Dario Mamone Júnior, o eSocial muda o modo de fiscalizar do Fisco. “A empresa passa a ‘confessar’ seus débitos. O governo vai dizer para a empresa, durante a fiscalização: estou te cobrando isso porque você me informou”, avalia.
Mas, entre as empresas, o temor é de que exista uma radicalização da fiscalização. “A forma como o projeto tem sido desenhado nos preocupa em relação a um aumento muito grande da fiscalização”, afirma Carolina de Pinho Tavares, coordenadora da área trabalhista e sócia do Marcelo Tostes Advogados. A advogada espera por uma flexibilização dos prazos para envio das informações ao sistema.
O modelo desenhado pela Receita prevê que os dados sejam enviados em “tempo real”. Assim, eventos como admissão, demissão ou licença médica devem ser informados no mesmo dia em que ocorrerem.
Hoje a fiscalização ocorre quando a Receita pede a apresentação das informações da folha de pagamento para confrontar com outras obrigações, como a Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), que é entregue mensalmente à Receita.
Em 2012, a fiscalização da Receita gerou em multas e recolhimento de valores devidos R$ 4 bilhões a partir de divergências encontradas no confronto entre folha de pagamento e GFIP. “E esse valor não representa nem 1% do total de pessoas jurídicas no Brasil. Então, nós temos uma perspectiva de incremento da arrecadação muito grande, pois eu vou deixar de ter folha de pagamento separada da GFIP”, diz Belmiro, da Receita. Segundo ele, a unificação dos dados vai facilitar a vida das empresas e evitar divergências que, muitas vezes, são consequência de erros e não de tentativa de sonegação.
Cronograma. O calendário de implementação do eSocial é progressivo ao longo de 2014. A exigência começa pelas grandes empresas, tributadas em regime de lucro real, no primeiro semestre do ano. No segundo semestre do ano que vem será a vez dos microempreendedores individuais (MEIs), pequenos produtores rurais, empresas de lucro presumido (que têm faturamento anual de até R$ 48 milhões) e do Simples Nacional. Assim, a previsão é de em quem janeiro de 2015 todos os empregadores tenham concluído a transição ao sistema.
A oficialização desse calendário ainda depende da publicação de um ato normativo, previsto para o início de novembro. O texto vai detalhar as regras para transmissão dos eventos trabalhistas e oficializar o cronograma que já tem sido divulgado informalmente. O ato normativo ainda em vigor, publicado no Diário Oficial da União em 18 de julho, prevê a obrigatoriedade do eSocial a partir de janeiro para todos.
A assessora jurídica da FecomercioSP, Ana Paula Locoselli, cobra uma formalização do cronograma. “No início, eles falavam que começaria em 2013 e de lá pra cá não conseguimos saber qual é o cronograma oficial, só ouvimos dizer que em um evento a Receita anunciou as datas”, diz.
Burocracia. Segundo um estudo do Banco Mundial e da consultoria PWC, uma empresa gasta 2,6 mil horas (ou 65 semanas) por ano para ficar em dia com suas obrigações ficais. O desempenho do Brasil, o pior entre os 185 países pesquisados, é consequência do excesso de leis e obrigações pulverizadas entre diversos órgãos do governo. O mesmo estudo, no entanto, destaca que o cenário burocrático pode mudar com a chegada do eSocial.
“O eSocial pode tornar o Brasil um País menos burocrático, mas isso não vai acontecer no curto prazo, dado o volume de informações e procedimentos que a ferramenta vai exigir. Os resultados podem aparecer daqui a 2 ou 3 anos”, avalia o sócio da PWC Marcel Cordeiro.
Como o eSocial muda o dia a dia da sua empresa
Apesar da promessa de simplificação, especialistas temem que a folha de pagamento digital aumente o trabalho no setor de RH
Hugo Passarelli e Mariana Congo – O Estado de S. Paulo
A folha de pagamento digital (ou eSocial) vai unificar num único sistema o envio de todas as informações dos trabalhadores aos órgãos federais. Para se adaptar, as empresas terão de mudar a maneira como tratam esses dados.
Segundo a avaliação do sócio da consultoria Deloitte Dario Mamone Júnior, a maior parte das informações prestadas será de competência da área de recursos humanos (RH) das empresas, mas a integração entre setores será fundamental, principalmente na fase inicial de adequação ao sistema. “Estima-se que 60% de todas as informações necessárias ao eSocial venham do setor de RH, os outros 40% seriam divididos entre medicina do trabalho, compras, produção, vendas e fiscal. Com o eSocial o governo vai ter um retrato de todo tipo de vínculo trabalhista”, diz.
Para a coordenadora da área trabalhista e sócia do Marcelo Tostes Advogados, Carolina de Pinho Tavares, haverá um aumento significativo de trabalho no setor de RH e isso vai exigir mais mão de obra. “Ainda que, no futuro, a proposta do governo seja de simplificação, essa obrigação será muito dispendiosa para as empresas”, acredita.
Em geral, o eSocial transporta para o ambiente digital obrigações que já são cumpridas pelas empresas atualmente. Mas existem novas informações cadastrais sobre funcionários que passarão a ser obrigatórias, segundo previsto no layout do eSocial.
Um exemplo são os dados sobre se o trabalhador tem casa própria ou se usou o FGTS. “É um pedido da Caixa Econômica Federal. Isso pode gerar uma necessidade de acomodação para as empresas no começo, mas, de forma geral, as obrigações já existem e estão de acordo com a CLT”, avalia o sócio da PWC Marcel Cordeiro. Por isso, segundo ele, a expectativa é de que a burocracia diminua em médio prazo.
A assessora jurídica da FecomercioSP, Ana Paula Locoselli, diz ter dúvidas se haverá, de fato, uma simplificação na prestação de contas ao governo. “A primeira impressão que tive sobre os layouts do eSocial (que vão orientar como preencher o cadastro) é que eles são complicados”, diz.
Complicado? Para cada funcionário, até 48 eventos deverão ser enviados ao sistema (como admissão, acidentes de trabalho e folha de pagamento). Muitas empresas reclamam que esse é um número alto. Mas a Receita Federal refuta essa ideia.
“Nós não aumentamos o número de informações pedidas, são as mesmas informações que hoje são registradas. O que fizemos foi dividir para facilitar o envio cada vez que o evento ocorre. A empresa não tem que ficar juntando para mandar um único arquivo”, diz o coordenador de Sistemas da Atividade Fiscal da Receita Federal, Daniel Belmiro. Ele lembra que o eSocial não é mais um programa de computador que a empresa terá que instalar, e sim um sistema que vai se comunicar com o sistema que a empresa já tem.
Na avaliação da gerente especialista em soluções de Tax & Accounting da Thomson Reuters no Brasil, Victoria Sanches, o impacto do projeto do eSocial ainda está sendo subestimado pelas empresas. “Não vai mais para dar ‘jeitinho’ em nada. O eSocial marca uma nova era das relações de trabalho”, diz.
Trabalhador. O eSocial também vai permitir que os próprios trabalhadores “fiscalizem” se as empresas estão cumprindo com suas obrigações, como o depósito do FGTS, e tenham mais facilidade na produção de provas para processos trabalhistas. Da mesma maneira, as empresas terão como comprovar de forma mais fácil que estão em dia e não devem nada aos colaboradores.
Testes. O sistema só deve estar em pleno funcionamento a partir de 2015. Para testar o eSocial, o governo tem trabalhado conjuntamente com um grupo de 48 grandes empresas (chamado de GT48) que estão ajudando a encontrar falhas e propor melhorias ao sistema antes de sua obrigatoriedade.
Com 10 mil funcionários, sem incluir terceirizados, a operadora Claro é uma das empresa da fase de testes. A empresa tem hoje sete softwares de gestão corporativa, que fazem, por exemplo, folha de pagamento, passando pela gestão de pessoas, jurídica e fiscal. Para se adequar ao eSocial, a empresa está realizando a integração dos sete softwares, de forma que todos sejam aderentes aos layouts do eSocial.
A diretora de planejamento tributário da Claro, Alessandra Heloise Vieira, está no comando do grupo que reúne representantes de vários departamentos para traçar a estratégia de adequação ao eSocial. Dentre os problemas previstos, Alessandra conta um simples “meu próprio nome dará incompatibilidade no eSocial, pois meu cadastro, quando entrei como funcionária na Claro, tinha meu nome de solteira. Depois que eu me casei, o meu nome junto ao CPF foi atualizado, mas o cadastro na Claro continua igual”.
Emprego. Além de alterar o cotidiano das empresas, o eSocial vai impactar na coleta de dados que orientam políticas públicas, como o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
“Com a implantação do eSocial, nós passaremos a receber novas informações, mas, em paralelo, continuaremos a receber a Rais e o Caged. Assim que nós vejamos que o que está vindo pelo eSocial é uma informação de qualidade, passaremos a substituir o envio atual”, afirma José Alberto Maia, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). “A estimativa é, do terceiro ou quarto mês, nós já saberemos se o Caged já estará a contento”, diz.
Fonte: Fenacon
0 Comments